Monday, December 11, 2006

CESARINY - "Uma chama esse Mário..."

Mais do que nunca apetece gritar hoje em voz baixa: "you are welcome to Elsinore"

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenore
E há palavras e nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar


"Portugal é um sarcófago onde se torna difícil respirar. Vai daí, Mário Cesariny exportou-se.
Profissão: vagabundo celeste. Paga imposto de vida - o mais alto.
Frequentem-no, anda por aqui. Sejam maiorzinhos." (Público, Dezembro 2006)

2 comments:

Marta Brito said...

lembro quando me leste cesariny ainda eras "senhora professora", lembro quando lentamente começaste: "entre nos e as palavras..." ficamos a ouvir, chegaste-me por atalhos e fizeste conhecer o alberto. estas aí, e estarás no calor de cada poema...afinal é isso que é ensinar e tu ainda és professora!!

Kátia Sá said...

Sobre o tejo um apito

cesariny e o retrato rotativo de genet em lisboa


ao lusco-fusco mário
quando a branca égua flutua ali ao principe real
as bichas visitam-nos com suas cabeças ocas
em formas de pêndulo abrem as bocas para mostrar
restos de esperma viperino debaixo das línguas
e com o dedo esticado acusam-nos de traição
sabemos que estamos vivos ou condenados a este corpo
cela provisória do riso onde leonores e chulos
trocam cíclicos olhares de tesão e
ficamos assim parados
sem tempo
o desejo diluindo-se no escuro à espera
que
um qualquer varredor da alba anuncie
o funcionamento da forca para a última erecção
lá fora mário
longe da memória lisboa ressoa esquecendo
quem perdeu o barco das duas ou se aquele que caminha
será atropelado ao amanhecer ou se o soldado
que falhou o degrau do eléctrico para a ajuda fode
ou ajuda ou não ajuda e se lisboa num vão de escadas
é isto
tão triste mário sobre o tejo um apito


al berto, a vida secreta das imagens