Thursday, January 18, 2007

Ícaro

Tinha, quase sempre, uma vontade incontrolável de falar, de contar tudo o que sentia.Um dia, à hora de estar só, nasceram-lhe umas asas de ombros largos que lhe esticaram o corpo em direcção ao cimo e a alma disse -lhe que partisse.
Despiu-se dos homens, não levou consigo nada. Sabia, desde muito cedo, que seria assim, que do mundo da terra não teria nada para carregar. Tinha escolhido cuidadosamente o momento, a hora do dia mais quente, aquela que lhe sorria quando era pequeno e brincava. Sabia. Desde sempre. E sempre era já muito tempo... Quando se desprendeu, o vento rasgou-lhe a pele e entrou-lhe no peito com uma força tal, que quase deixou de respirar! Mas estava feliz, tinha à sua frente o dia claro e o outro lado do mundo por conquistar, aquele das suas vontades.

3 comments:

Sandra said...

O blog está simples e bonito. Quer as fotos, quer os textos são uma agradável surpresa para quem visita. Beijinho. Sandra

Boníssima said...

Escrevi no meu blog hoje que estava mais para reticências do que para etcéteras...rs! Eu acabei por confundi os nomes e parei no seu blog, muito bonito por sinal!
Paz e Bem!

rita said...

A propósito de Icaro, conheci agora este poema de Fiama, que não sei se conheces:

Epístola para Dédalo

Porque deste a teu filho asas de plumagem e cera
se o sol todo-poderoso no alto as desfaria?
Não me ouviu, de tão longe, porém pensei que disse:
todos os filhos são Ícaros que vão morrer no mar.
Depois regressam, pródigos, ao amor entre o sangue
dos que eram e dos que são agora, filhos dos filhos.


Fiama Hasse Pais Brandão, in Epístolas e Memorandos, 1996